Informações do celular do engenheiro Wanderlei Batista de Brito mostram relação com os analistas
FONTE: MIKHAIL FAVALESSA E LÁZARO THOR/MIDIA JUR
O Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado Ambiental (Gaeco Ambiental) investiga pelo menos cinco servidores da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) por um suposto esquema de recebimento de propina para análise de licenciamentos ambientais para extração de madeira.
O inquérito, ao qual o Midiajur teve acesso, foi instaurado em maio pela delegada Alessandra Saturnino de Souza Cozzolino com base em evidências colhidas na Operação Hamadríade, deflagrada em setembro de 2022. São investigados crimes contra a administração ambiental, crimes contra a administração pública e falsidade ideológica, supostamente cometidos pelos servidores.
“Foram identificados elementos de que, na Secretaria Estadual do Meio Ambiente – SEMA, particularmente no setor de Gestão Florestal, denominado Coordenadoria de Recursos Florestais (CRF), tendo como Coordenador o nacional Victor Carneiro Pereira da Fonseca, existiria, em tese, uma organização criminosa, formada por agentes públicos, especializada, em tese, na análise tendenciosa, com inserção de informações inidôneas, atendendo interesses de terceiros, auferindo para tanto vantagem indevida, nos pareceres e vistorias de processos de licenciamento ali existentes, particularmente naqueles relacionados a Planos de Manejos Florestais”, diz trecho da investigação.
As suspeitas do Gaeco Ambiental são de que, sob coordenação de Victor, os servidores Huelton Lima da Silva, Floriano da Cunha Pinheiro, Jean Paulo Bahia de Oliveira, Joelson Lucas de Albuquerque, e possivelmente outros, “teriam elaborado pareceres e realizado vistorias, recebendo, em tese, vantagem indevida para aprovação de acordo com o ajuste feito, normalmente com o Responsável Técnico-RT”.
O elo do inquérito atual com a Operação Hamadríade foi identificado por meio de Wanderlei Batista de Brito. O engenheiro florestal é réu em ação penal derivada dessa operação e é acusado de atuar na emissão fraudulenta de créditos florestais utilizando laranjas para propriedades de empresários da família Crestani, em especial os irmãos Michel Alex e Fernando Bruno, donos das fazendas Matrinchã I e II, em Nova Bandeirantes.
Conversas investigadas
O celular de Wanderlei foi apreendido e uma análise técnica do Gaeco Ambiental indica a possibilidade de pagamentos ilegais a servidores da Sema. O engenheiro é chamado pelos servidores por seu apelido, “Camisa” ou “Camisinha”, o que segundo o Gaeco indica proximidade.
Os investigadores destacam uma conversa entre Wanderlei e o servidor Jean Bahia ocorrida em setembro de 2021. Segundo os investigadores, foi constatado que nesse período Jean “tratou de pagamento de valores anteriormente acordados” com o engenheiro florestal.
“Jean se vier alguma equipe de vistoria pra cá vc por favor me avisa?”, diz Wanderlei em 15 de setembro. Jean responde três minutos depois afirmando que “Huelton e Suely saem amanhã” para Sinop.
Em outra situação, em 8 de junho de 2022, os investigadores apontam para uma conversa entre “Romulo Sinoflora” e Wanderlei. Trata-se possivelmente de Romulo Silveira de Souza, sócio de Wanderlei na empresa Sinoflora Assessoria Florestal Ltda.
“No dia 07/06/2022, o Romulo ‘Sinoflora’ encaminhou um áudio do Toni Dubiella, onde este possivelmente utilizou de uma pessoa de prenome ‘Manuel’ para realizar um pagamento, pagamento este realizado em ‘mãos’; e a outra, via ‘pix’. Posteriormente, o Romulo Sinoflora envia uma mensagem para o Wanderley: ‘sobre o Jean’ (o áudio do Toni possivelmente é referente ao pagamento do Jean Baia fato confirmado no áudio subsequente do Wanderley”, diz um trecho de relatório parcial da investigação.
Em outra conversa extraída do celular de Wanderlei, de 9 de maio de 2022, o engenheiro florestal diz que “o Jean tá me apurando aqui” e que o servidor “quer 10 adiantado”. Um print da conversa entre Wanderlei e Jean mostra quatro mensagens enviadas e apagadas por Jean, e em seguida ele dizendo “valeu”, “opa” e “Só as 14h mesmo?”. Wanderlei pergunta: “vc tá muito apurado?”.
Outro trecho destacado dessa mesma conversa mostra outras mensagens apagadas e o servidor dizendo “vou dar um jeito aqui para aguardar até às 14”.
Wanderlei diz: “Manda o PIX?”. E em seguida o servidor encaminha dados de uma conta bancária em nome de um empresário dono de empresa de serviços odontológicos em Denise (MT), “cuja ligação com o investigado deve ser apurada” segundo o Gaeco.
Ligação com coordenador
Nas análises, o Gaeco Ambiental aponta que “foi verificado que o servidor Victor Carneiro tem estreita relação com Wanderlei uma vez que foram localizadas 347 (trezentos e quarenta e sete) mensagens de textos e áudios entre ambos, via WhatsApp, durante o período de 04/05/2020 a 06/12/2021”.
Uma das conversas registra tratativas relacionadas à Agropecuária Lazarotto, dona da Fazenda União II. Wanderlei se diz preocupado com prazos para efetuar pagamento de licença em razão do grande volume de madeira, 50 mil metros cúbicos.
“Victor também chamava Wanderley pela alcunha de ‘Camisa’, como todos os outros contatos. Wanderley mandou mais um áudio, onde diz que o valor da reposição custaria mais de 500 mil reais. Reitera o pedido e apaga dois textos que escreveu logo após o número do processo, indicando receio no conteúdo da informação compartilhado”, aponta o relatório.
O coordenador do setor de Recursos Florestais responde dúvidas de Wanderlei sobre processos de manejo de madeira de um cliente do engenheiro florestal. Ele questiona sobre uma área que teve autorização, mas não houve exploração, se seria necessário algum procedimento diferente.
O analista ambiental responde que se não houve emissão de “GF”, a Guia Florestal, transporte nem exploração na área, seria possível refazer o projeto.
Em outra conversa, de outubro de 2020, Wanderlei reclama da atuação de Jean, que teria aplicado uma multa por inserção de informação falsa em um processo.
“Ô Victor… Bom… Boa tarde!.. Cara… você… acredita… que aquele Jean… filha da p***, cara… me multou!… Dizendo que omiti… informação!… Informação… falsa… nos projetos…no… (inaudível)…Esse…cara… cara… tá ficando louco…cara!… Não omiti…nada…rapaz!..”, diz trecho da transcrição do áudio enviado.
Wanderlei menciona a derrubada de Castanheira, espécie que é proibido o corte, mas diz que não teria culpa se o cliente descumpriu o que estava previsto no projeto.
“A informação que prestei… foi relacionado ao inventário… tudo! Agora… se o meu cliente, por exemplo, derrubou a Castanheira… isso… como eu evitar isso, daí.. tá entendendo? Não tem como evitar isso! Isso já é questionamento dele, ele já sabe, todo mundo sabe que é proibido! Agora não é minha culpa, não omiti nada! Eu não emplacatei a castanheira em projeto de PEF! Mas tudo bem, vou ter que contratar advogado para me defender desse corno e filho da p*** aí!””, relata outra transcrição.
Outro lado
Questionada pela reportagem, a Sema, por meio da assessoria de imprensa, informou que os servidores continuam no exercício do cargo público e que “as medidas administrativas legais cabíveis, como o afastamento, serão tomadas assim que recebermos as informações necessárias que apontem a materialidade das acusações”.
Além disso, a pasta destacou que não admite nenhuma ilegalidade e contribui com o fornecimento de todos os dados, informações e esclarecimentos necessários para o andamento das investigações do Gaeco.
A reportagem buscou posicionamento dos servidores citados por meio do Sindicato dos Servidores Públicos da Carreira dos Profissionais do Meio Ambiente (Sintema), cuja assessoria jurídica informou que ainda não defendia esses servidores em específico. O espaço segue aberto para manifestações.