Assembleia aprova projeto que altera política da pesca no estado em primeira votação

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A alimentação saudável está muito além do prato. Do campo até a mesa, fatores ambientais, culturais, sociais e econômicos compõem o processo de produção daquilo que nos alimenta. Não basta ser livre de agrotóxico, a produção de alimentos orgânicos requer a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais.

Para fomentar esse sistema produtivo sustentável, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) propôs e o Governo do Estado sancionou a Lei 12.100/2023, que institui a Política Estadual de Incentivo e Fomento às Feiras Livres de Produtos Orgânicos em Mato Grosso. Uma iniciativa que visa estimular a comercialização desses produtos e, dessa forma, contribuir com o empreendedorismo e o cooperativismo dos produtores, ao mesmo tempo em que promove a segurança alimentar e nutricional e o direito humano à alimentação adequada e saudável.

Uma iniciativa necessária. Mato Grosso, principal produtor de grãos e de carne bovina no Brasil, é um dos estados com menor número de produtores no Cadastro Nacional de Produtores de Orgânicos (CNPO). Dos 24 mil produtores registrados no CNPO, somente 246 estão em Mato Grosso, ou seja, menos de 1%.

Essa pequena adesão dos produtores mato-grossenses chama mais atenção quando são analisados os dados de uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que entrevistou consumidores e produtores rurais de todo o estado. De acordo com a professora doutora Rafaella Felipe, 99% dos consumidores entrevistados disseram ter interesse em adquirir alimentos orgânicos e 98% dos produtores manifestaram interesse em produzir esses alimentos.

De acordo com a pesquisadora, existe um conceito de que produzir produtos orgânicos é caro e difícil. “Quando se analisa a agricultura orgânica como uma mera substituição ao convencional, é caro e pode dificultar a vida de quem está produzindo. Porém, quando se trabalha com base agroecológica, que vem sendo produzida de forma isolada, todas as condições do sistema são melhoradas, a saúde do solo, das plantas, os resíduos são tratados de forma adequada. A agroecologia não é um sistema mais caro e nem mais difícil, ele inclusive pode se tornar mais barato do que a agricultura convencional”, afirma a professora.

Se existe demanda do mercado consumidor, produtores interessados e metodologia acessível, qual a dificuldade?

O secretário-executivo da Comissão da Produção Orgânica no Estado de Mato Grosso – (CPOrg/MT), Cleiton Souza, explica que existem inúmeros pontos que podem ser melhorados para ampliar a produção de orgânicos no estado, mas que a assistência técnica é o fator chave.

“A falta de técnicos qualificados para agricultura orgânica é o principal entrave. Não há profissionais sendo formados para atender esse segmento. Na Empaer [Empresa Mato-Grossense de Assistência e Extensão Rural], por exemplo, não tem um núcleo de agroecologia. Nos últimos quatro anos, as políticas públicas foram atravessadas, cortes de recursos, suspensão dos conselhos. Nossa expectativa é que a política nacional de agroecologia seja retomada”, afirma Cleiton.

Margarete Rodrigues, produtora de orgânicos em Cuiabá, afirma que a falta de incentivos e de assistência dificultam a produção, principalmente por ser uma cultura que requer mais tempo e, por isso, às vezes perde competitividade.

Para Rafaella Felipe, as políticas públicas são desarticuladas e não chegam até os produtores lá na ponta. “Faltam investimentos para que as informações cheguem até às famílias. Estamos à disposição para debater isso, ajudar na construção de políticas para que os produtores da agricultura familiar não saiam do campo, não cedam espaços para a monocultura. Existem formas de conciliar a agricultura em larga escala e a agricultura familiar.”.

Se por um lado ainda faltam políticas públicas, por outro algumas iniciativas buscam auxiliar aqueles que desejam agregar valor à sua produção, como é o caso do “Sustentabilidade para Pequenos Negócios”, um núcleo do Sebrae que auxilia pequenos produtores a fazer um diagnóstico da propriedade, as adequações necessárias e a auditoria necessária para certificar a produção.

De acordo com Valéria Pires, coordenadora de Competitividade do Sebrae-MT, com a consultoria e certificação, os produtores podem melhorar o desempenho do seu negócio. “Quando um produtor se insere na agricultura orgânica, ele pode acessar mais mercados e consegue valorizar a produção em até 50% em relação à produção convencional”, explica Valéria.

Para além da economia – Quando Margarete Rodrigues, 47, chega na feira para montar sua mesa de produtos, seus clientes já estão esperando e vão se aproximando para ajudar a descarregar as verduras e acomodar os ovos. Margô, como é carinhosamente chamada, produz hortaliças, verduras e ovos numa pequena propriedade localizada no Distrito de Água Açu, na Baixada Cuiabana. Ela e o marido, Leonel Marques, 46, participam toda semana das feiras realizadas no Centro Político Administrativo (CPA).

É das feiras que ela tira dinheiro para fazer os investimentos na propriedade, é o extra. Além da venda direta, Margarete também vende para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). 

Cleiton Souza, da Comissão de Produção Orgânica, afirma que as feiras são importantíssimas. “As feiras têm papel fundamental na comercialização desses produtos e são nelas que se cria a relação de confiança para o funcionamento do mecanismo de controle social. O indivíduo que está comprando se aproxima do produtor, muitas vezes vai até a propriedade para conhecer como é o sistema. Sem falar que a feira é a humanização do agricultor, é onde eles se tornam o protagonista e se sente reconhecido não só pelas pessoas que compram e elogiam, mas pelo estado. Ele começa a se sentir um cidadão ao ter um espaço para expor seu trabalho. É muito importante pelo fator social e comercial”, afirma Cleiton.

Valéria Pires, do Sebrae, destaca que as feiras vão muito além da economia local, movimentam o campo, abrem espaço para exposição gastronômicas e culturais. “As feiras podem ser eventos, alguns municípios possuem um calendário para que expositores e a comunidade possam se organizar e participar”.

Os noivos Grazielly Monteiro Silva, 26, e Gonçalo Victor, 30, iniciaram um negócio próprio depois que Grazielly foi diagnosticada com bornout, doença psíquica provocada pela exaustão no trabalho. Como sempre gostou de produtos naturais e não pode consumir nada com alto teor de sódio, eles decidiram produzir temperos naturais com matéria-prima proveniente da agricultura orgânica. Eles participaram de duas capacitações no Sebrae que trouxeram mais conhecimento sobre a área financeira e sobre distribuição.

Desde que iniciaram a participação em feiras, o casal viu o faturamento da empresa aumentar, assim como o alcance da marca. “Temos contato direto com o cliente, ouvimos o feedback, e nossas vendas cresceram”.

O deputado Wilson Santos (PSD), autor da Lei 12.100/2023, explica que os efeitos da Política vão além do estímulo à produção, mas chegam inclusive à qualidade de vida da população. “A Política poderá fortalecer os circuitos curtos de comercialização e apoiar a produção local. Consequentemente aquecerá a economia, fazendo com que os recursos financeiros circulem nos diversos setores dessas microeconomias. Outra consequência positiva é o favorecimento do acesso a alimentos sadios, bons, limpos e justos à população. E a população bem alimentada resultará em menos gastos aos governos com os serviços de saúde”, afirma o deputado.

Certificação – O Brasil é exemplo mundial em mecanismo de garantia de qualidade orgânica. Essa qualidade é garantida de três diferentes maneiras: com a Certificação, os Sistemas Participativos de Garantia (SPG) e o Controle Social para a Venda Direta sem Certificação. Juntos, a Certificação e os Sistemas Participativos de Garantia formam o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica – SisOrg e são realizados por Organismos de Avaliação da Conformidade Orgânica.

A certificação é realizada por meio de auditoria. Esse modelo tem um custo que vai variar de acordo com o tipo de produção, uma vez que orgânicos não se restringem a agricultura, produtos de origem animal e processados também podem ser orgânicos.

Os Sistemas Participativos de Garantia (SPG) são realizados por grupo de produtores que, de forma coletiva, formados por pequenos produtores, agricultores familiares, projetos de assentamento e outros grupos formados por ribeirinhos, quilombolas, indígenas e extrativistas que possuam uma organização e estrutura suficientes para assegurar um Sistema de Controle Interno dos procedimentos regulamentados.

A terceira alternativa, a Organização de Controle Social pode ser formada por um grupo, associação, cooperativa ou consórcio de agricultores familiares. Mas para que a organização seja reconhecida pela sociedade e ganhe credibilidade, é preciso que entre os participantes exista uma relação de organização, comprometimento e confiança. Neste caso, a certificação é válida apenas para vendas diretas.

“O orgânico é um grande mercado, inclusive para os grandes produtores. Às vezes há uma confusão ideológica que tenta vincular o orgânico somente aos pequenos e a produtos de feira. Há uma diversificação muito grande da produção orgânica, mas a maioria ainda vem da região centro-sul do país”, afirma Cleiton Souza.

Para a professora Rafaella Felipe, da UFMT, a agricultura orgânica de base agroecológica é essencial. “A agricultura convencional, além de ter um alto custo de produção, tem adoecido e muito os nossos agricultores, tem deixado a vida deles mais difícil do que já é. A gente precisa disseminar isso. O único caminho para agricultura familiar em Mato Grosso é a agricultura orgânica de base agroecológica”.